terça-feira, 21 de julho de 2015

Sexualidade e Família (um passeio Histórico)

Sexualidade e Família (um passeio Histórico)


A vida familiar e a sexualidade são facetas importantes na história da humanidade, são tantas a variáveis ambientais, sociais, psicológicas, econômicas, culturais, políticas ou religiosas que determinam as distintas composições das famílias até hoje, que a simples intenção de conceitualiza-la nos tolhe o propósito. Vamos, no entanto tentar mapear uma noção de ¹família que nos sirva de parâmetro para este estudo.
...Escardó diz... Que a palavra “família não determina uma instituição padrão, fixa e invariável. Através dos tempos, a família adota formas e mecanismos sumamente diversos e, na atualidade, coexistem no gênero humano tipos de família constituídos sobre princípios morais e psicológicos diferentes e ainda contraditórios e inconciliáveis”. (Osório L.C., Casais e famílias-2002).
“Família é uma unidade grupal na qual se desenvolvem três tipos de relações pessoais - aliança (casal), filiação (pais/filhos) e consangüinidade (irmãos) – e que, a partir dos objetivos genéricos de preservar a espécie, nutrir e proteger a descendência e fornecer-lhe condições para aquisição de suas identidades pessoais, desenvolveu através dos tempos funções diversificadas de transmissão de valores éticos, estéticos, religiosos e culturais”. (Osório L.C., Casais e famílias-2002).
Cerveny (2001) “Considera a família como um sistema dentro do qual pessoas vivem no mesmo espaço físico e mantêm " Relações Significativas ” considerando relações significativas as relações de interdependência entre os vários subsistemas da família”.
Tomando como base essas definições de “família” podemos dizer que a estrutura, a constituição, seus preceitos morais e religiosos, sua forma de interação e funcionamento, variam conforme as distintas épocas históricas e fatores sóciopolíticos, econômicos e religiosos predominantes num dado momento da evolução de determinada cultura.
Estudos históricos nos levam a crer que a função primária da sexualidade se estrutura no objetivo de gerar filhos, e a família como modelo natural para assegurar a sobrevivência, o desenvolvimento psíquico e a aprendizagem de interação de seus descendentes, impossibilitando a dissociação da sua função biológica e psicossocial. A sexualidade e suas manifestações naturais ocorrem em todas as fases da vida de um ser humano, do nascimento até a morte, tendo a genitalidade e a procriação apenas como alguns de seus aspectos.
Para Alda Ribeiro “ Sexualidade é a maneira como a pessoa expressa seu sexo. Ë como a mulher vivência e expressa o “ser Mulher”e o homem o “ser Homem”. Expressa-se através dos gestos, da postura, da fala, do andar, da voz, das roupas, dos enfeites, do perfume, enfim, de cada detalhe do indivíduo.”.
“A espécie humana, desde seu aparecimento no planeta, vem apresentando características peculiares em termos do exercício de sua sexualidade, ao contrário de outras espécies, a nossa exibe sutis diferenças anatômicas e funcionais que permitem ás fêmeas serem receptivas ás manifestações da sexualidade de seus parceiros e exercerem sexo prazerosamente, independente de estarem ou não em seu período fértil”. ( Sbrash –SP- 2002).
A constante disponibilidade de nossas fêmeas fez emergir desde os primeiros agrupamentos á necessidade de regras para o exercício da sexualidade e a partir daí o nascimento da chamada “repressão sexual”, visto que nossa sexualidade passou ser fortemente condicionada por fatores psicológicos e sociais ao longo da história da humanidade.
Esses fatores levaram ao homem a necessidade do desenvolvimento de seu intelecto em conseqüência à tomada de sua própria existência, permitindo-lhe a consciência do “eu”, a elaboração de parâmetros para auto-avaliação, a consciência de aceitação, sensação de adequação ao meio, etc., estes aspectos passaram a ser de grande importância no exercício da sexualidade, ao lado do componente social permeando através das várias formas de composição e ajustamento que os seres humanos foram percorrendo ao longo de sua história.
“O homem sempre teve significativa atuação social ao longo da história... Segundo DUPUIS (1989), o processo de tomada de consciência da participação masculina na procriação e as conseqüências dela decorrentes tiveram início por volta de 9000 AC...”. Embora os homens fossem caçadores e as mulheres colhedoras e parideiras ficando a impressão que por motivos misteriosos pariam, isso não implicava em conceitos de superioridade ou inferioridade, sendo visto como fatos normais ao aproveitamento das capacidades biológicas de cada um.
O mistério de gerar filhos de forma inexplicável gerou um conceito de forma mística, considerando a possibilidade que misteriosas Deusas protegiam ou não algumas mulheres com maior ou menor fertilidade. Tais Deusas chamadas de “Deusas Mãe” “Grande Deusa” e vários outros nomes foram objeto de adoração e eram simbolizadas em estátuas, as chamadas “Vênus”, a mais conhecida das quais é a Willendorf.
Ao que tudo indica nesta época a Figura de Deus era representada pela Mulher, porém o sistema de organização das famílias evoluía Segundo Morgan “de um período da “Família Consangüínea”, a partir dos acasalamentos dentro de um mesmo grupo, para a “Família Puluana”, através da interdição do relacionamento sexual entre pais e filhos e posteriormente entre irmãos através do “Tabu do Ïncesto”.
Neste tipo de família os membros de um grupo casam-se com os de outro grupo, mas não entre si. Assim os homens de um determinado grupo são considerados aptos a casar somente com as mulheres de outro grupo e esses grupos casam-se entre si, caracterizando esta estrutura familiar também conhecida como “Família por Grupo”.
Na “Família Sindesmática” ou de “Casal”, o casamento ocorre entre casais que se constituem respeitando o tabu do Incesto, mas sem condicionar sua ligação a obrigatoriedade do casamento intergrupo. Neste período sob a autoridade matriarcal uma vez que as mulheres é que cuidavam de todo o povoado, prole e colheita”.
Ao longo deste período, de acordo com NUNES (1987) e DUPUIS (1989), “ocorreram mudanças significativas nas organizações humanas existentes, até por volta de 9000 ªC a superfície terrestre não era muito povoada; entretanto com as descobertas de novas maneiras de caça ocorreu um aumento populacional, o que causou diminuição na produção de alimentos advinda de caça e da pesca.
Além disso, há indícios de que neste período ocorreram significativas alterações climáticas e a descoberta da pedra polida. Esse contexto favoreceu a sedentarismo e a caça foi sendo substituída pelo pastor de ovelhas e coleta de frutos e sementes. Essas transformações, além de repercutirem na organização social dos povos, dando início á propriedade de terras, embora ainda sem a existência de formas monetárias, tiveram também repercussão na descoberta da participação do homem na procriação, com base na observação de animais em locais mais restritos. Houve então uma perda da primazia feminina no que diz respeito á reprodução, subindo o autoconceito e a auto-estima dos homens”.
Estava armado o palco para início da supremacia social masculina, ao que tudo indica iniciada por volta do oitavo milênio antes de cristo, levando o homem à idéia de serem superiores ás mulheres rebaixando-as a cidadãs de segunda categoria. A partir daí não havendo mais a reverência as deusas da fertilidade, Deus passa ser homem.
Com o decorrer das mudanças, foi sendo instalado o patriarcado e, por conseguinte a “família Patriarcal” com ela os primeiros preceitos e normas regulamentadoras do exercício da sexualidade. Na realidade a necessidade estava fundamentada no problema de como garantir que a criança, candidata a herdar todos os bens conseguidos durante toda a vida de um homem, é mesmo um filho biológico desse homem.
A solução encontrada foi exigir que a mulher case virgem, e que se mantivesse “fiel” ao marido, durante toda a vida. Assim, no que diz respeito ás possibilidades de práticas sexuais com parceria diversificada, ficou esse direito restrito aos homens. Empreendendo uma desvinculação do sexo como afeto, os machos da espécie passaram a condicionar as possibilidades femininas de atuação apenas dentro desta união, ligando tais manifestações aos preceitos culturais e a obrigação de gerar filhos.
É claro que estas transformações não aconteceram de forma linear em todos os povos, visto que a evolução se dava muito lentamente ao longo dos séculos e até milênios, a bíblia sita culto a “Maria” por volta do séc. IV.
Neste período, as instituições familiares primavam por seu caráter político e econômico, e as uniões entre homens e mulheres eram arranjados por seus pais, no que as mulheres não eram sequer consultadas. Da dependência dos pais as mulheres passavam, após o casamento para a dependência do marido, dando origem às “Famílias monogâmicas”.
Com o passar do tempo, ocorreram alterações significativas na sociedade, sob á crescente influência da Igreja Católica. Na sociedade romana, havia diversas formas de organização familiar, por causa da invasão dos chamados povos bárbaros (estrangeiros), mas a influência da Igreja veio homogeneizar lentamente a maneira como a família se organizava.
“Foi no século XIII que as mudanças elaboradas pela igreja passaram a ser implantadas, de modo gradativo, dado que os costumes anteriores estavam bastante arraigados. A noção de pecado culpa, bem como a indissolubilidade do casamento foi paulatinamente incorporada”. (CHAUI, 1991).
“A cerimônia matrimonial de privada passa a pública, ocorrendo na igreja e não mais nos lares” (ARIÈS, 1981).
“Além dessas modificações ocorridas na concepção do casamento, as relações conjugais, bem como as familiares, também foram sendo alteradas. Foram introduzidos conceitos e proibições relativas ao exercício da sexualidade como; a virgindade até o casamento, regras para o comportamento sexual após o casamento, e o exercício da confissão.
A ação da Igreja sobre as mulheres foi bastante intensa, na medida em que ela era vista como a encarnação do pecado e da luxúria. Vista como um mal necessário, a atividade sexual ficou restrita ao casamento e sob diversas regras ditadas pela Igreja como, por exemplo, a abstinência nos dias santos, ao longo da gravidez e pós-parto, no período menstrual.
Além disso, o Estado também exercia influência, à medida que determinava quais ações eram permitidas e proibidas em relação á sexualidade. Mesmo assim os casamentos ainda ocorriam segundo os interesses familiares e não em razão dos sentimentos dos cônjuges.
A noção de amor como motivo de união entre um homem e uma mulher foi sendo paulatinamente praticada sob a influência dos trovadores, bem como da ação da igreja, mas só se estabeleceu por volta do século XVIII”. ( TD- Trindade –Usp-2002).
De acordo com ARIÈS (1985), “a questão do amor já se fazia presente desde a Grécia antiga, que existiu durante muito tempo uma diferenciação importante, o amor conjugal e o extraconjugal, de modo geral o amor entre os cônjuges, quando existia, deveria ser expresso comedidamente”. Desta forma o amor entre o casal quando existia era de forma reservada.
Áries (1985, p.156) ainda destaca que “ fecundidade, reserva da esposa e da mãe, dignidade de dona-de-casa são características permanentes que, até o séc. XVIII opuseram o amor dentro do casamento e o amor fora do casamento”.
A Igreja Católica tinha grande influência no modo como as relações conjugais e familiares ocorriam, bem como o poder e o controle na vida dos cidadãos a respeito das relações sexuais, dos dias em que estas eram permitidas ou proibidas, à função das mesmas e o número de filhos do casal, ação que ainda permeia em nossos dias.
“As transformações na organização familiar (séc. XVI e XVII), seja com relação ao número de filhos, seja com relação às regras de convívio e as práticas sexuais do casal, sofreram forte influência da ascensão da burguesia e o crescimento de centros urbanos, onde um maior número de pessoas passaram a viver muito próximas, modificando hábitos como; o fortalecimento dos laços familiares (afetividade), laços de parentesco, a capacidade para o trabalho, a criação das escolas e a divisão entre crianças mais novas e mais velhas originando a chamada fase da adolescência.
As famílias passaram a educar seus filhos não para a felicidade, mas para o sucesso, visto que a felicidade era considerada uma conseqüência natural do sucesso. A educação passou a ser centrada no autocontrole, considerando “bem educada” a criança que se comportasse sempre de forma reprimida, sem expressar seus desejos, suas vontades e suas angústias”.(tese doutorado Trindade, 2002).
Ao final do séc. uma nítida confusão entre “sexualidade” e “genitalidade”, também se afirmou o conceito de que as manifestações da sexualidade só surgem após a puberdade, negando-se a sexualidade infantil. Tratando da sexualidade conjugal, até então era hábito que as residências se constituíssem de espaços amplos para todas as atividades da família, não existindo divisão de ambientes, sendo comum que todos os membros da família dormissem num mesmo espaço, inclusive crianças, empregados e servos. Neste período e em conseqüência das transformações já ocorridas passa e existir a diferenciação nas funções femininas e masculinas, ao homem fica as responsabilidades de âmbito social e a mulher as domesticas.
Aproximadamente ao final Séc XIX, com o nascimento da industrialização, dá origem a novos contextos familiares, presididos pela escolha mútua dos parceiros para a união matrimonial, pelo isolamento do casal em relação ao grupo e a parentela e a conquista de sua autonomia patrimonial.
Ë nessa época que se firma a sexualidade “oficialmente aceita” como sendo aquela exercida apenas por adultos, em condições de heterossexualidade, monogâmica e dentro de um relacionamento conjugal, visando a reprodução e o inicio da afetividade conjugal.
Com isso negamos as manifestações da sexualidade na infância, vemos com maus olhos a sexualidade na adolescência, e ridicularizamos a que ocorre entre os idosos, ficando assim a sexualidade como um direito exclusivo de adultos. Negamos outras orientações sexuais, tais como a homossexual, visto que tais uniões não têm possibilidades de serem férteis. Exaltamos a monogamia, e julgamos lícito o sexo apenas quando praticado em condições conjugais.
Somente ao final do séc XIX com surgimento de Freud e suas teorias, ocorre á aceitação da manifestação da sexualidade, ainda que de formas diferentes, durante toda a duração da vida humana.
Após Freud, muitos outros estudiosos, cientistas, filósofos se deitaram sobre a longa estrada de pesquisa e estudo da sexualidade humana, porém o grande salto quanto à sexualidade feminina se deu por volta de 1960 e 1970, com a Declaração dos Diretos Humanos, das Nações Unidas, que reconhece as mulheres como sujeitos de Direitos Inalienáveis. A expansão do conceito de gênero, como uma categoria constituída socialmente, além de suas diferenças anatômicas e fisiológicas, dando origem a uma sociedade dividida em sexos.
A Revolução francesa trouxe a sociedade outros valores, a igualdade e a fraternidade, apesar destes ainda sofrerem influências do séc. XIX, produzindo a camuflagem da igualdade feminina e masculina, com as imposições políticas, religiosas e científicas, fortalecendo a imagem da mulher como, mães, virgens, esposas, frágeis e efêmeras.
Segundo Foucault (1990) o sexo foi conhecido como discurso, todavia, este discurso substituiu as práticas de confissão da Igreja. Aí o surgimento dos Psiquiatras e os sexólogos.
A função da sexualidade feminina ainda é reprodutora, o casamento heterossexual, conjugal e monogâmico. A medicina reconhece as condutas sexuais ligados à homossexualidade de crianças, adolescentes e idosos, os voyeuristas, os fetichistas e tantos outros como patológicos.
A sexualidade é utilizada como um dispositivo de poder, para regular as questões individuais e sociais como a natalidade e fecundidade, idade para casar, filhos legítimos e ilegítimos, períodos e freqüência das relações sexuais, utilização de métodos contraceptivos, e outros”(Zampieri 2003).
Somente na segunda década do séc. XX que ocorreram transformações significativas quanto ao reconhecimento do papel da mulher na sociedade e na família. A mulher passa a ter direito ao voto, ao trabalho, ao controle da natalidade e toma para si o domínio de sua sexualidade, porém questões como o aborto e planejamento familiar, violência doméstica, estupros ainda são temas reprimidos pela sociedade. Somente em 1985 foi criada a delegacia da mulher a fim de atender as vítimas de violência.
Atualmente encontramos em nossa cultura uma orientação ambígua e contraditória, segundo Zampieri “a moça não deve expressar claramente o desejo de ter relação sexual para não ser rotulada como pouco confiável para uma relação estável e o rapaz deverá mostrar que deseja relações sexuais para não ser rotulado como fraco ou pouco veríl”.
A cultura acaba por impor ao homem a obrigação de levar a mulher ao orgasmo, ela por sua vez dependente do marido em quase todos os aspectos da vida conjugal, com receio de desagrada-lo, influenciada por toda história de repressão sexual, dificilmente propõe novidades ou reclama da sua insatisfação. É na família e em suas diversidades culturais, religiosas, morais e outras , que ocorre a legitimação do desejo sexual e os desafios encontrados por ela, desde o nascimento até a morte de seus membros.

Dra. Margarete Ap. Volpi
Terapeuta Familiar e Casal

Nenhum comentário:

Postar um comentário